A tabela detalhada do Brasileirão 2020, divulgada hoje (22) pela CBF, aponta para uma competição marcada por problemas judiciais no campo da mídia esportiva. Uma parte deles já era prevista, como os jogos do Red Bull Bragantino sem exibição em qualquer mídia em meio à vigência da MP 984/20, que dá ao mandante os direitos de transmissão de uma partida. (Confira no vídeo abaixo).
O que agrava o cenário confuso agora é que a TNT, que já não vem anunciando o Brasileirão, apareceu na tabela da CBF com partidas que têm times do SporTV como visitantes, usando o texto da medida provisória assinada em junho pelo presidente Jair Bolsonaro para exibir jogos de seus clubes como mandantes.
Para recapitular, a Turner possui originalmente contrato com oito clubes da Série A em 2020: Athletico, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza, Internacional, Palmeiras e Santos. Na legislação em vigor até a edição da MP, só poderiam ser exibidos jogos entre esses times. Seriam 56 no total.
Com o texto da medida provisória, o total de jogos possíveis para escolha da TNT subiu consideravelmente. Chegou a 152, que é a soma dos 19 jogos desses oito times na condição de mandante. Também explicamos isso na época da publicação da MP do Futebol em um vídeo no YouTube. Na ocasião, o Coritiba ainda não tinha acordo com o Grupo Globo, o que altera os números da emissora aberta e do PPV, mas a explicação segue válida:
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Hoje, ao conhecermos a tabela detalhada, cuja função principal é dizer ao torcedor datas, horários exatos e transmissões das partidas, vimos que a CBF colocou Palmeiras x Vasco, na primeira rodada, para a TNT exibir. Aparentemente, a emissora destacou o horário de domingo às 19h45 (fuso de Brasília) como sua marca na competição em 2020.
O Vasco é um dos times fechados com o SporTV. E esse é um dos jogos que antes ficavam no “limbo”, o apagão de partidas da TV paga que não poderiam ser transmitidas nem por um canal, nem pelo outro, por chocar um clube de cada um. No vídeo acima, o Blog do Allan Simon já apontava Palmeiras x Vasco como uma transmissão possível se a MP valesse já neste Brasileirão.
Da mesma forma, apontamos que TNT e SporTV possuem um limite contratual de dois jogos por rodada. Ou seja, o pulo de 56 para 152 jogos da Turner no Brasileirão não seria prático, não haveria a transmissão de todas elas. Mas, sim, um aumento expressivo no cardápio de escolhas.
O máximo, considerando dois jogos por rodada, é de 76 partidas por campeonato. Mas podendo escolher em um universo bem maior, neste caso do Brasileirão 2020. E foi o que a TNT aparentemente fez. Abriu mão de Fortaleza x Athletico Paranaense na primeira rodada.
Mas não quis reservar Santos x Red Bull Bragantino, um jogo que está sem transmissão porque a Globo não entende como válido o texto da MP 984 para contratos em andamento. Os acordos atuais são válidos até 2024 e foram assinados entre 2016 e 2019, antes, portanto, da media provisória.
E não para por aí. Na segunda rodada, a TNT escolheu apenas um jogo. Internacional x Santos, partida que já era sua no modelo anterior. Mas abriu mão de Bahia x Coritiba, que aparece na tabela como exclusivo do Premiere. Estranho? A resposta vem na jornada seguinte.
Tendo exibido apenas um jogo na segunda rodada (lembrando, a cota é de dois), a TNT reservou três partidas na terceira. E não está para brincadeira. No dia 15 de agosto, um sábado, o canal pretende transmitir uma rodada dupla com jogos que envolvem times do SporTV.
Às 19h30, usaria os direitos de mandante do Coritiba para exibir o jogo contra o Flamengo no Couto Pereira. Na sequência, mostraria Palmeiras x Goiás. Usamos os verbos assim, na condicional, porque a Globo pode entrar na Justiça contra isso. Já fez no Carioca, quando conseguiu uma tardia liminar para impedir o rubro-negro de transmitir na FlaTV o jogo contra o Boavista.
O assunto ficou “morto” porque a emissora resolveu rescindir totalmente o contrato com a Ferj e demais clubes, alegando quebra da exclusividade dos direitos de transmissão do Boavista. Mas, no Brasileirão 2020, campeonato muito mais importante e valioso, é difícil imaginar que a Globo vá apenas rescindir e pular fora do torneio.
Ainda na terceira rodada, a TNT tem um jogo no domingo, dia 16 de agosto, entre Santos e Athletico Paranaense às 19h45. Era o único jogo possível no modelo anterior.
Mas, na quarta rodada, além da transmissão prevista de Athletico x Palmeiras, no dia 19 às 19h30, a TNT também reservou Ceará x Vasco no dia seguinte, às 20h. Novamente exibindo um jogo do time carioca, cujos direitos estão vendidos ao SporTV.
A bizarrice maior chega ao olharmos a quinta rodada. Em tempos normais, haveria dois jogos com transmissão possível na TNT: Palmeiras x Santos, Ceará x Bahia. Pois agora, em tempos anormais, a emissora decidiu não exibir nenhum deles. Optou por Athletico x Fluminense e Internacional x Atlético-MG, comprando mais duas brigas com o Grupo Globo.
Vale lembrar que um dos motivos que fizeram a Turner brigar com clubes e se desmotivar na transmissão do Brasileirão foi ter tido jogos transmitidos de forma simultânea e em TV aberta pela Globo em 2019. E é exatamente o que ela tentou fazer ao reservar esse Palmeiras x Santos no dia 23 de agosto às 16h. A TNT, portanto, daria um nó tático ao pular fora dessa partida.
Na sexta rodada, mais uma vez a TNT pegou apenas um jogo, Bahia x Palmeiras, nada anormal. Dois times dela. Na sétima, de novo um. Mas em cenário completamente diferente. Originalmente, o canal teria dois jogos: Palmeiras x Internacional, Ceará x Fortaleza.
Decidiu não exibir nenhum deles. A Globo de novo havia avançado sobre o duelo do Verdão em casa na TV aberta. A TNT não escolheu nenhum jogo do Fortaleza, que está contestando na Justiça o contrato diferente dos demais times, já que não participa do bolo de divisão com os outros clubes, ganhando apenas um fixo por temporada. Reservou, entretanto, Bahia x Flamengo, outra briga judicial a caminho.
Na oitava rodada, a Globo insistiu na tática ao reservar Internacional x Bahia, jogo originalmente da Turner. Pois o nó tático apareceu outra vez. A TNT não pegou essa partida, migrando para um Coritiba x Atlético-MG, outro time do SporTV. Manteve a exibição original de Ceará x Santos.
Na nona rodada, a TNT abriu mão de Internacional x Ceará, mas esse jogo não aparece como transmissão em TV aberta também. A Turner reservou, com base na MP do Futebol, os jogos Athletico x Botafogo, Bahia x Grêmio.
Por fim, na décima, a última detalhada até agora pela CBF, na qual a TNT poderia exibir apenas o Athletiba, a emissora deixou o jogo completamente sem transmissão, já que o Furacão não tem direitos de PPV vendidos, e o clássico não aparece como reservado pela Globo. Também faria muito pouco sentido transmitir um clássico paranaense para todo o Brasil… menos para o Paraná.
O bloqueio de praça foi outro fator de briga entre TNT e clubes. No contrato original, isso não era previsto. Mas a prática é comum nos acordos anteriores com o SporTV. Para fechar com a Globo, os times tiveram que exigir isso da Turner. Era uma forma de proteger o PPV e as bilheterias de seus jogos. Não há santo nessa história.
Mas a TNT pegou um Santos x São Paulo em troca. Se valer o bloqueio de praça, não poderá mostrar para SP também, mas são dois times com mais exposição nacional. Reservou, ainda, um Ceará x Flamengo, além de um Palmeiras x Sport.
Não vai ser fácil acompanhar o Brasileirão 2020. Além de jogos com portões fechados, por causa da pandemia, a forma como a MP 984 foi editada causou instabilidade jurídica. É possível uma guerra de liminares, como a que vimos em 2003 entre SBT e Globo no Paulistão, chegando a ter duas emissoras brigando no estacionamento de um estádio para ver quem exibiria a abertura do torneio (veja no vídeo abaixo).
O SporTV, por sua vez, seguiu entendimento do Grupo Globo sobre a MP não valer para contratos em andamento. A posição foi reforçada pela emissora ao UOL Esporte hoje.
Em nota oficial, a Globo disse que “enviou notificação ao Bragantino e à Turner, com cópia para os clubes que têm contrato com aquela empresa e para a CBF, deixando claro que está pronta para tomar medidas legais cabíveis para proteção de seus direitos exclusivos, caso haja tentativa de violá-los com a transmissão de jogos de clubes que negociaram seus direitos com a empresa, ainda que na condição de visitantes”.
A emissora ainda prosseguiu dizendo que “respeitará os contratos firmados e não exibirá jogos na TV por assinatura em que os clubes que assinaram a Turner sejam visitantes, ainda que os mandantes sejam clubes que têm contrato com a Globo para a mesma plataforma. E também não exibirá jogos do Bragantino.”
O EI Plus, plataforma de transmissões via streaming da Turner, até ontem anunciava os 56 jogos do Brasileirão, dando exemplos como Palmeiras x Santos, Coritiba x Athletico. Tirou do site. Não tem mais.
O Red Bull Bragantino ainda é uma questão em aberto. Pode ser outro lado de uma briga na Justiça com a Globo se quiser transmitir seus jogos como mandante, ou vender os direitos a outras emissoras.
E ainda tem os jogos do Athletico como mandante sem transmissão alguma. O clube pode tentar vender como PPV, já que não possui acordo com a Globo, mas não tem o direito de transmitir de graça (direitos são da emissora carioca), nem repassar a um canal pago (direitos são da Turner, que não quis exibir esses jogos de qualquer maneira).
Prepare-se. O Brasileirão 2020 não será nada fácil de acompanhar. Nem de entender.
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