Fazemos hoje uma viagem no tempo voltando 35 anos na história do futebol brasileiro. A seção “Quanto Custava?” pousa em fevereiro de 1985, quando a revista Placar fez uma reportagem especial sobre o crescimento dos patrocínios nas camisas dos clubes do país.
O material trazia valores que equipes como Flamengo, São Paulo, Corinthians, Santos, Internacional, Bahia, e os três grandes de Pernambuco recebiam pelos patrocínios em seus mantos. Como já é de costume nesta série, o Blog do Allan Simon fez a atualização monetária para entender quanto valiam aqueles espaços de publicidade há três décadas e meia.
Diferentemente de itens que eram voltados ao consumidor, casos em que usamos o IPCA do IBGE como índice de correção, no caso do patrocínio de camisa nós aplicamos o IGP-DI medido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Desde 1989, o IGP-M é usado em ajustes contratuais, como os acordos da Globo com o Clube dos 13, e posteriormente, individualmente com clubes.
Como tratamos de um período anterior à criação desse índice, usamos a versão anterior, cuja diferença é abranger um mês do primeiro ao último dia, enquanto o mais recente calcula variação de preços entre os dias 21 de um mês e 20 do seguinte. Vamos aos dados.
– Maior patrocínio do Brasil era do Flamengo
Segundo a revista Placar do dia 15 de fevereiro de 1985, o Flamengo fechou um contrato com a Petrobras para estampar a marca “Lubrax” no uniforme e em todos os departamentos esportivos do clube. O valor: 240 milhões de cruzeiros por mês. Quantia que prometia ser aumentada caso Zico voltasse da Udinese naquele ano – e voltou.
Usando o IGP-DI para conversão do valor em reais usando fevereiro de 1985 como mês de partida e janeiro de 2020, o último com medição fechada pela FGV, como chegada, a quantia recebida pelo Flamengo há 35 anos pelo patrocínio da Petrobras era de R$ 1.082.155,61 por mês.
Claro que havia correção com títulos da época, já que a economia era instável e a inflação vivia alta. Mas, tendo como base esse valor, chegamos a pouco mais de R$ 12 milhões por ano pelo “anúncio” que hoje chamamos de “patrocínio master”. Como não eram vendidos outros espaços na camisa, é apenas com essa propriedade que podem ser feitas comparações.
Em 2019, o Flamengo fechou acordo com o Banco BS2 com valor fixo de R$ 15 milhões pelo patrocínio master para a temporada de 2020, segundo informações do Globoesporte.com na época da assinatura do contrato.
– Corinthians estampava Kalunga
Segundo a Placar, o Corinthians fez acordo de 160 milhões de cruzeiros apenas pela primeira fase da Taça de Ouro de 1985. Sim, esse era o nome do Campeonato Brasileiro na época. Esse estágio inicial da competição durou de 26 de janeiro a 14 de abril, praticamente três meses. Com isso, podemos considerar aproximadamente 53,3 milhões de cruzeiros por mês.
Esse valor, corrigido pelo IGP-DI da FGV, equivaleria a R$ 240.479,02 no dinheiro de hoje. Ou seja, valendo apenas como projeção, um ano de contrato de patrocínio master com o Corinthians daria cerca de R$ 2,9 milhões. Bem abaixo do que era recebido pelo Flamengo. O valor fixo, sem considerar metas e outras cláusulas, do contrato atual com o BMG é de R$ 12 milhões por ano, segundo a Folha de S.Paulo.
– São Paulo ganhava por jogo e também oferecia placa no Morumbi
O Tricolor fechou com a xará São Paulo Seguros um valor de 150 ORTNs por partida. Mas, que raio é esse, você pode se perguntar. ORTN era a sigla para “Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional”, que era um título público federal emitido para remunerar com valores acrescidos de correção monetária que acabou virando um indexador em tempos de inflação alta.
Segundo a revista Placar, 150 ORTNs equivaliam, em fevereiro de 1985, a Cr$ 4.126.500. Esse é o valor que usaremos para corrigir o dinheiro para o real de hoje. Ou seja, aplicando o IGP-DI, chegamos à quantia de R$ 18.606,31 por jogo do São Paulo, que ainda dava uma placa de publicidade à empresa atrás de um dos gols do Morumbi.
O time do São Paulo fez 20 jogos pela Taça de Ouro, caindo ainda na primeira fase, mas foi campeão paulista após 42 partidas. Se considerar também os amistosos, a equipe tricolor fez em torno de 70 jogos naquela temporada. Portanto, o valor anual do patrocínio em dinheiro de hoje chegava a R$ 1,3 milhão. Estima-se que o clube receba no mínimo R$ 14 milhões por ano desde o contrato assinado com o Banco Inter em 2017.
– Santos tinha valor bem mais modesto de patrocínio
O time da Vila Belmiro fechou acordo com a marca de cosméticos Neutrox pelos jogos da primeira fase da Taça de Ouro por 25 milhões de cruzeiros. Ou seja, algo em torno de Cr$ 8,3 milhões por mês daquele estágio do torneio. Isso, atualizado com o IGP-DI, daria um valor mensal aproximado de R$ 37.574,85.
Tendo em mente esse valor, o patrocínio do Santos, se tivesse sido fechado nessas bases, seria de quase R$ 451 mil por ano. O mais bizarro é que a revista Placar informou na reportagem que a quantia na época já foi considerada tão modesta, que não valeria a pena ter a Neutrox no uniforme listrado por causa das cores.
“Houve um apaixonado debate sobre a conveniência ou não de se estampar na camisa as cores vermelha e amarela do anunciante, que são as mesmas do Jabaquara, tradicional inimigo local”. No fim da temporada, o Santos levou na camisa a marca “Afonso Veículos” na disputa do Campeonato Paulista. Estampada na cor preta.
Nota importante: Placar não mencionava o Palmeiras porque o time ainda não tinha acordos de patrocínios naquele ano. Usou algumas marcas na camisa após a publicação da reportagem.
– Internacional tinha acordo anual com a Aplub
No Rio Grande do Sul, chamava atenção o contrato assinado pelo Internacional com a Aplub, empresa de capitalização e previdência privada. Enquanto vários outros acordos eram pontuais por jogo ou fase do Brasileirão, o Colorado fechou contrato anual com a marca.
Eram 500 milhões de cruzeiros, e olhe que o Inter ainda tinha, segundo a Placar, um contrato de outros Cr$ 135 milhões com a Olympikus como fornecedora de materiais esportivos, sem contar as peças de jogo e treino em si. Esses valores, de acordo com a revista, tinham sido reajustados em 250% naquele ano.
Aqui falamos apenas dos patrocínios que chamamos atualmente de “master”. O Internacional recebia, portanto, um valor de R$ 2.254.490,85. Quantia que se aproximava mais que os outros patrocínios paulistas do recebido pelo Corinthians na época, e com a certeza de um acordo pela temporada completa.
– Trio de Recife tinha patrocínios do mesmo banco
O Banco Nacional do Norte foi incorporado nos anos 1990 ao Banco Bandeirantes, que, por sua vez, acabou incorporado ao Unibanco, que acabou mais tarde fazendo fusão com o Itaú. Essa é a linha sucessória que explica que fim levou a instituição financeira que em 1985 tinha os patrocínios do trio de grandes do Recife.
Sport, Náutico e Santa Cruz recebiam Cr$ 50 milhões cada pela temporada. O acordo ainda incluía o Central-PE, mas que recebia Cr$ 2 milhões por jogo na Taça de Prata, que tinha sistema eliminatória (ou seja, ganharia enquanto fosse avançando na “segunda divisão”. Jogou quatro partidas.
O valor recebido pelo Leão da Ilha, a Cobra Coral, e o Timbu em 1985 pelos contratos de patrocínio com o Banorte era equivalente a R$ 225.449,09 de hoje. Placar destacava que a estratégia do banco era ser visto com simpatia por todas as torcidas.
Uma ideia que se mantém viva até hoje no Rio Grande do Sul, onde o Banrisul mantém os patrocínios da dupla Grenal desde 2001, sem ser visto como inimigo por nenhum dos lados. A GM tinha feito algo semelhante com Grêmio e Inter em 1998, época da chegada da montadora a Gravataí.
– Bahia tinha patrocínio de banco estadual
O Bahia fechou contrato com o Baneb (Banco do Estado da Bahia) por Cr$ 5 milhões por mês. Segundo a Placar da época, 20% desse valor era direcionado aos jogadores.
Aplicando o IGP-DI, chegamos à quantia mensal de R$ 22.544,91 em dinheiro de hoje. Ou seja, os jogadores levavam algo em torno de R$ 4,5 mil para dividir todo mês. O bolo anual para o elenco ficava em R$ 54 mil. O patrocínio todo era na casa de R$ 270,5 mil.
O Baneb foi privatizado em 1999, arrematado pelo Bradesco em leilão no Rio de Janeiro.
– Coritiba escondia os valores do patrocínio
O Coritiba, que mais tarde surpreenderia o país ao ser campeão nacional contra o Bangu na final da Taça de Ouro de 1985, não quis revelar à revista Placar quanto ganhava da marca Britânia para estampar as camisas na competição.
A reportagem mencionava que “segundo alguns jogadores do time, pode ser uma manobra para ludibriá-los, já que eles têm direito a uma porcentagem”.
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