Exaltar espaço do futebol feminino na Globo não é esquecer Luciano do Valle

Exaltar espaço do futebol feminino na Globo não é esquecer Luciano do Valle

7 de junho de 2019 0 Por Allan Simon

Desde quando as jornalistas do Dibradoras revelaram no fim do ano passado que a Globo havia decidido transmitir pela primeira vez na história a Copa do Mundo Feminina na edição de 2019, as reações de quem gosta da competição se dividiram entre comemorações pelo espaço alcançado pelo futebol das mulheres na maior emissora do país, e os mais críticos, que acreditam que a emissora não fez mais que a obrigação e invocam a lembrança do narrador Luciano do Valle como se agora fossemos esquecer seu papel na divulgação das boleiras desde os anos 1990 na TV.

Não vejo as coisas por esse último lado. A transmissão de Brasil x Jamaica no próximo domingo (9), às 10h30 (horário de Brasília), pela Globo será histórica por vários motivos. Pela primeira vez, uma partida da seleção feminina valendo pela Copa do Mundo será exibida pela maior emissora do país, uma das três maiores do mundo, e isso em um país ainda extremamente atrasado na maneira como vê o esporte feminino, e, claro, o papel das mulheres na sociedade.

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Foto: Divulgação/TV Globo

A Globo montou uma equipe muito bem pensada para a estreia. Selecionou seu maior narrador de todos os tempos, Galvão Bueno, com três mulheres expoentes da nova geração do jornalismo, Ana Thaís Matos, Carol Barcellos e Lizandra Trindade. Uma união que representa muito para este jogo histórico. Além disso, a partida terá transmissão também do SporTV e da Band, ampliando ainda mais a exposição da estreia da seleção feminina na Copa.

A Band foi pioneira no futebol feminino graças a Luciano do Valle. Empreendedor, voz histórica na locução esportiva nacional, o narrador trouxe as transmissões do Campeonato Brasileiro Feminino, do Paulistão (então bizarramente chamado pela FPF de ‘Paulistana’), e da Copa do Mundo de 1995. Por muitos anos, a Bandeirantes foi a única opção para quem queria ver as mulheres do Brasil em campo. Os torneios organizados com apoio da emissora encheram estádios ao longo deste século, como o Pacaembu, em São Paulo, e arenas no Norte e Nordeste.

Com a Band, o futebol feminino também foi motivo de festa da torcida santista, que viu seu time ganhar a Libertadores também entre as mulheres, com um time liderado por ninguém menos do que a Rainha Marta. Há a impressão digital de Luciano do Valle em todos estes momentos.

No entanto, nenhuma luta pode ser personificada apenas em um ser humano mortal. Infelizmente, o narrador querido e genial nos deixou em 2014. Mas o futebol feminino seguiu sua caminhada, porque a luta o tempo todo era das mulheres. Era delas a briga pelo espaço, pelo respeito, por melhores condições.

Foram delas os primeiros movimentos para que as pessoas passassem a entender o dia a dia frustrante do esporte nacional sem usar isso como desculpa para fracassos, como grande parte de nós, “entendedores” sazonais, fazíamos a cada derrota da seleção em Copas e Olimpíadas.

É por causa do trabalho de conscientização delas que hoje olhamos para uma série de resultados ruins e, em vez de buscar a desculpa fácil da estrutura, procuramos observar os aspectos táticos e técnicos, exatamente como sempre fizemos no masculino. Vadão que se cuide, pois a exposição que virá vai tirar sua rotina tranquila e sem pressão que existiu até agora no comando do time.

Todo esse trabalho desembocou no caminho que vivemos agora. A Globo vai transmitir a Copa do Mundo Feminina. Serão apenas os jogos do Brasil, é verdade. Mas quem conhece e estuda a fundo a história da emissora, e sabe a rigidez de sua grade de programação, valoriza este momento histórico para o futebol das mulheres.

A Globo pode ter “demorado”, pode não ter feito “mais que a obrigação”, mas fez. Assim como demorou anos até descobrir em 1987 que valeria a pena investir no futebol brasileiro de clubes com mais intensidade. Como desistiu três anos depois, viu a Band faturar com a transmissão exclusiva do primeiro título nacional da história do Corinthians, e corrigiu a rota em 1992, voltando para nunca mais sair do Brasileirão.

Como esperou até o SBT estourar no Ibope com o título corintiano da Copa do Brasil de 1995 para entender o potencial daquela competição mata-mata. Como entendeu tardiamente que a Libertadores viraria uma paixão nacional, precisando perder na audiência para a minúscula Rede OM (com Galvão Bueno e tudo na narração) para perceber que a competição continental era a nova paixão nacional. Como só entrou no ramo do vôlei depois que Luciano do Valle transformou a modalidade em outro amor brasileiro.

A história é escrita em capítulos que se sucedem e vão preenchendo páginas e mais páginas gloriosas, outras nem tanto, mas que registram uma luta constante. Luciano do Valle foi um aliado extremamente importante, e ainda é, pelo legado que deixou. Mas também é fundamental seguir em frente. É preciso ter outros aliados também. O futebol feminino dá mais um passo glorioso em 2019. Saibamos valorizar esta conquista delas.

Aliás, o Grupo Globo não está estreando na competição. Já exibiu as edições anteriores pelo SporTV. E de lá vem outra grande novidade: serão quase todos os jogos transmitidos ao vivo pelo canal por assinatura. Os que não forem serão exibidos na internet pelo Globoesporte.com. Ou seja, todas as partidas serão transmitidas no Brasil. Em 2015, houve jogos da edição do Canadá que só puderam ser vistos em streamings piratas.

A evolução está por toda parte. E que venha a Copa do Mundo!