O Blog do Allan Simon inaugura hoje uma série “irmã” da “Quanto Custava?”. É a “Como Era?”, na qual vamos revisitar diversos pontos da memória esportiva brasileira. Para começar, voltamos no tempo ao ano de 1996, quando a internet ainda era uma novidade à qual poucos tinham acesso. Vamos conhecer (ou relembrar) o primeiro site oficial do Palmeiras.
Para fazer essa viagem no tempo, recorremos ao Wayback Machine, um serviço que armazena mais de 377 bilhões de páginas da internet ao longo das últimas três décadas. O primeiro registro de um site oficial do Palmeiras encontrado nesse imenso de banco de dados está datado como de 13 de novembro de 1996.
Algumas coisas são perceptíveis logo de cara. Primeiro, é claro, a simplicidade dos tempos em que as conexões eram muito lentas e não permitiam carregamentos de arquivos muito pesados. As páginas da web tinham que possuir imagens pequenas, largos espaços vazios e textos na medida certa. Tudo é byte, tudo consome espaço, tudo precisava viajar do servidor ao computador. Hoje é fácil, mas imagine no tempo da conexão discada.
Depois, o curioso é notar como existem três escudos diferentes do Palmeiras na mesma página inicial do site. Se reparar bem, a fonte do distintivo acompanhado do mascote Periquito no ícone “Torcida” é bastante diferente do símbolo que está no topo da homepage. E uma versão um pouco modificada deste aparece na chamada “O Clube”. A página “Dia-a-dia” trazia um ícone genérico de estádio sem relação alguma ao Parque Antárctica.
Mais abaixo, é possível reparar que havia um pequeno índice com as últimas notícias do clube. São elas:
- Viola desfalca o Palmeiras até a segunda fase do Brasileiro (12/11/96)
- Palmeiras, desmotivado, perde para o Criciúma (11/11/96)
- Palmeiras perde, mas continua líder (7/11/96)
- O chat do Palmeiras! (25/10/96)
Façamos uma pausa aqui para refletir. “Palmeiras, DESMOTIVADO, perde para o Criciúma”. Você imagina hoje um veículo oficial de um clube dizendo que o time perdeu um jogo porque entrou desmotivado em campo? Já pensou? “Palmeiras, pensando apenas na Libertadores, perde para o Inter nos pênaltis e está fora da Copa do Brasil”? Não, né? Mas aí vem outra coisa importante de se notar.
No rodapé do site existem algumas informações que deixam claro: o Palmeiras não fazia o seu site oficial.
“PROD. OFICIAL DO PALMEIRAS, LICENCIADO POR BRAGA & ASSOC. – FONE (011) 883-7000”
Quem tinha álbuns de figurinhas no anos 1990 lembra que essa empresa aparecia frequentemente ligada a licenciamentos de produtos oficiais dos clubes brasileiros. Se não lembra e ainda os têm, basta procurar e com certeza o nome da Braga e Associados estará lá. Mas o conteúdo era produzido por uma outra empresa.
“Todos os textos e fotos são propriedade da Nabla Internet Consulting LTDA. e da Essencial Comunicação Empresarial.”
A Nabla é uma empresa fundada em 1995 e que ainda aparece ativa em seu CNPJ, com sede no Rio de Janeiro. Foi também a desenvolvedora do primeiro site do Flamengo. No site, havia uma seção contando a história da chegada desta corporação ao Palmeiras.
“Nós da Nabla Internet Consulting, empresa que desenvolveu a Homepage Oficial do Palmeiras, estamos profundamente orgulhosos de termos sido escolhidos, entre vários outros concorrentes, para desenvolver um projeto tão ambicioso quanto este.”
A Essencial tinha surgido em 1991 como uma consultoria de comunicação empresarial. Tudo ainda muito novo na internet brasileira, mas a empresa declarava já ter em seu portfólio nomes como ” Ultragaz, Coopers & Lybrand, Henkel, Union Carbide, Oce-Brasil, Rhodia, Citibank, Hering, Mesbla, Pepsi-Cola, Quaker, Lloyds Bank, Black & Decker, The Waves, Varga, Pirelli, Cibie, Alumni, Continental 2001, Kodak, Bettancourt, entre outras”.
A mensagem final que ambas deixavam na página de apresentação era um recado ao torcedor do Palmeiras: “Esperamos que toda a nação palmeirense se orgulhe deste trabalho, que está sendo feito para uma das mais exigentes torcidas do país e do mundo: a Torcida do Palmeiras. Afinal, quem mais está acostumado a vencer no Brasil merece sempre o melhor.”
“O Clube”
A página mais “institucional” do Palmeiras trazia elementos básicos, informações bem parecidas com o que já podíamos ver naquela época nos tradicionais guias da Placar. O primeiro item, chamado “Conheça a história completa do Verdão”, era uma propaganda enganosa, pois o texto original contava a fundação e ia apenas até a conquista do título paulista de 1942, quando o Palestra Itália “morreu líder e o Palmeiras nasceu campeão”, deixando um vácuo de mais de 50 anos para contar.
Mas havia também novidades boas. O torcedor palmeirense com acesso à internet podia consultar, quando quisesse, o histórico de confrontos contra os rivais na página de “Estatísticas”. Havia um índice para clubes paulistas, onde apareciam os números dos duelos contra Corinthians, Santos e São Paulo, e um para outros times do Brasil. Porém, só aparecia o Flamengo. Justamente o time que também tinha site feito pela mesma empresa na época.
Na seção “Time”, havia uma lista com apenas 15 nomes que faziam parte do “elenco dos sonhos”. Dizia o texto de abertura:
Se perguntarmos hoje aos brasileiros qual o melhor time do país, poucos hesitarão antes de responder que é o PALMEIRAS. Com uma equipe bem treinada por um dos mais bem conceituados profissionais do Brasil e composta por jogadores de alta categoria, mesclados a jovens valores, o Palmeiras conquistou, junto a população do país do futebol, uma posição invejável: a de MELHOR TIME DO PAÍS.
As poucas fichas disponíveis eram dos seguintes jogadores: Velloso, Marcos, Marcelo, Cafu, Gustavo, Wagner, Junior, Cléber, Sandro, Flávio Conceição, Galeano, Osio, Djalminha, Luizão e Elivélton.
Para ilustrar, escolhemos a ficha de Marcos, ainda um jovem reserva que esperaria mais dois anos e meio até virar titular absoluto e ídolo do Palmeiras na conquista do título mais importante do clube nos últimos anos.
Infelizmente, a seção “Comissão Técnica” ainda aparecia como uma página vazia, “em construção”. O mesmo acontece com as páginas “Sede” e “Grandes Conquistas”. Em “Torneios”, apenas a classificação, os jogos, artilharia e estatísticas do Campeonato Brasileiro estavam disponíveis, ignorando todas as outras competições jogadas pelo clube no ano em que o time foi campeão paulista com “o time dos 100 gols”.
Mas havia uma boa novidade. Estava no ar a página “Sala de Troféus”, que mostrava fotos dos itens das grandes conquistas do Palmeiras até então. Você pode ver todas aqui neste link, mas o carregamento pode ser bem demorado.
O curioso é pensar que, em pleno 2019, o torcedor palmeirense não tenha mais a chance de conhecer uma sala de troféus do clube, algo em falta desde a demolição do velho Parque Antárctica para a construção do moderno Allianz Parque. 23 anos depois, quem aparece como uma demorada placa de “em construção” é a ideia de voltar a ter os símbolos das conquistas alviverdes reunidas em um só lugar.
“O dia-a-dia”
De volta à homepage, entramos na seção “O dia-a-dia”. Nela, havia um índice normal com as notícias mais recentes do clube postadas no site oficial. Também existia um ícone “entrevistas”, que desperta curiosidade, mas frustra pela simplicidade. Eram apenas três textos. O primeiro falava de um dia no Centro de Treinamento. Reproduzimos abaixo sem modificações, mantendo inclusive erros de digitação da época:
Centro de Treinamento em alto astral
São Paulo (30 de Agosto de 1996 às 18:31 hs)Após a vitória sobre o Paraná Clube por 4×1, no último dia 28 de agosto, o Centro de Treinamento do Palmeiras estava em clima de união e alegria. Na tarde de ontem, estivemos presentes na Brarra Funda, bairro onde esta está instalado o Centro e pudemos presenciar um clima agradável e descontraído. Sempre com a supervisão do técnico Luxemburgo, pudemos trocar algumas palavras com três jogadores. Entre eles, Fernando Diniz, que disse estar consciente de que sua contratação no Palmeiras foi baseada em um aproveitamento futuro. Falou também, que prefere não ter grandes expectativas. Diz que segue treinando no aguardo de uma oportunidade.
Leonardo estava radiante, pois sua atuação no jogo do dia anterior foi excelente. Disse que estava confiante em conseguir a posição de titular e ajudar o Palmeiras a ser o Campeão Brasileiro.
Djalminha ao ser perguntado sobre as punições que vem sofrendo, disse acreditar que é muito visado e daí os cartões que o deixaram fora do último jogo.
Outro texto trazia como “entrevista” apenas duas frases de Luizão comentando a contratação de Viola no dia 1º de setembro de 1996.
“Estou contente com a contratação do Viola, por que é um grande jogador”
“Com Viola, ficarei mais tranquilo, porque dividiremos a missão de brigar com os zagueiros”
Tudo isso fazia parte do contexto da época. Como dissemos no começo, inclusive textos grandes eram difíceis de carregar nos tempos primórdios da internet brasileira. Este post que você está lendo, com todas as imagens a serem “baixadas” no seu dispositivo, certamente demoraria horas para poder ser lido há 23 anos.
“Torcida”
Esse foi um dos primeiros espaços para o torcedor do Palmeiras ter conteúdo exclusivamente sobre o clube na internet, lançado com semanas de diferença para o Palmeiras Online, um site não oficial que surgiu em setembro daquele ano e que também existe até hoje.
O que mais chama a atenção é que já existia uma estratégia de monetização do site oficial do Palmeiras naquela primeira versão. A seção “Torcida Eletrônica” era uma oportunidade que o clube dava aos torcedores para que eles montassem suas próprias páginas pessoais dentro do ambiente do palmeiras.com.br.
Para isso, deveria pagar uma mensalidade de R$ 10 para ter direito a 50 KB (isso mesmo, Kbytes) em uma página que seria hospedada da seguinte forma:
“http://www.palmeiras.com.br/torcida/nome_do_seu_diretório”
Se a página ficasse mais pesada que isso, era possível pagar um adicional proporcional ao tamanho final: “(51Kbytes a 100Kbytes – R$20,00; 101Kbytes a 150Kbytes – R$30,00)”, dizia o site oficial do Palmeiras.
A página disponibilizava um arquivo html padrão para que o torcedor apenas o editasse, caso não soubesse programar para a web. O pagamento era feito mediante envio pelos Correios de uma ordem de pagamento, cheque cruzado ou comprovante de depósito na conta corrente da Nabla no Unibanco. Também era possível mandar por fax.
Não poderíamos concluir aqui sem pedir uma ajuda emprestada à seção “Quanto Custava?” para atualizar esses valores cobrados por aqueles planos especiais do torcedor que queria ter um espaço no site oficial do clube.
Considerando o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo”, medido pelo IBGE, entre os meses de novembro de 1996 e agosto de 2019, o último com inflação oficial já divulgada, os R$ 10 cobrados pela Nabla para que o torcedor do Palmeiras tivesse um perfil próprio no site do clube são equivalentes a R$ 38,67 no dinheiro de hoje. Quase R$ 40 mensais para manter uma página de 50 KB, e mais esse valor para cada 50 KB excedidos.
Esperamos que você tenha curtido a estreia da “Como Era?”. Teremos muitas outras viagens no tempo pela história do futebol brasileiro. Gostou deste post e não é palmeirense? Então sugira nos comentários qual deve ser o próximo clube protagonista da série. Nos vemos nos próximos posts.
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