50 anos do Tri: Como a Copa do Mundo de 1970 chegou aos brasileiros pela TV

50 anos do Tri: Como a Copa do Mundo de 1970 chegou aos brasileiros pela TV

16 de junho de 2020 0 Por Allan Simon

A conquista do terceiro título mundial do Brasil, na Copa do Mundo de 1970, no México, é um dos maiores momentos da história do futebol. Seja pela força do esquadrão brasileiro recheado de nomes como Pelé, Tostão, Rivellino, Gerson, Jairzinho, Carlos Alberto Torres, entre tantos gênios, ou pelas memórias de quem viveu naquela edição a emoção inédita de ver uma Copa ao vivo pela TV.

A série “Baú da Mídia Esportiva” resgata hoje como foi o processo para que aquela conquista pudesse ter ficado na memória de milhões de brasileiros de um jeito diferente. Até então, o Brasil tinha sido campeão do mundo duas vezes, ambas transmitidas e ouvidas pelo rádio. Agora era especial, a torcida brasileira poderia ver e sentir ao vivo tudo o que rolava a milhares de quilômetros de distância.

Para começar, a história da Copa do Mundo de 1970 na televisão brasileira não é tão simples como hoje. Você sabe que a próxima edição do Mundial, em 2022, se acontecer no tempo marcado, será transmitida pela Globo. A dúvida fica sempre por sublicenças para outras emissoras. Mas a mais de dois anos da competição, você tem certeza que poderá ver as 64 partidas.

Há pouco mais de 50 anos, o Brasil sequer sabia com certeza se poderia ver ao vivo as emoções da Copa do Mundo no México. O país tinha se preparado para isso. A Embratel, na época uma estatal, tinha antenas modernas instaladas em Itaboraí (RJ) e em São Paulo (SP) no topo do Edifício Itália. Mas faltavam os direitos de transmissão.

Essa história de a Globo comprar os direitos com a Fifa é bem recente. Começou com a Copa de 2002. Até a edição de 1998, a OTI (Organização das Telecomunicações Ibero-Americanas) adquiria as transmissões com a Fifa e repassava às emissoras associadas. Em 1970, nem isso existia. Os direitos eram negociados pelo país organizador.

No caso do México, a missão foi do empresário Emílio Azcárraga, uma espécie de “Roberto Marinho” no país deles. Azcárraga era dono do Telesistema Mexicano, que alguns anos depois se fundiria à TIM (Televisión Independiente de México) para formar o que conhecemos como a gigante Televisa, a emissora responsável por Chaves, Chapolin e diversas novelas de sucesso no SBT.

Como contou o repórter Gabriel Vaquer no UOL Esporte recentemente, o empresário mexicano fez jogo duro na hora de vender os direitos ao Brasil. Pediu US$ 1,2 milhão. As emissoras queriam pagar apenas US$ 550 mil. Globo, Tupi, Bandeirantes e Record formavam um pool para negociar esses direitos. Azcárraga não queria vender por menos da metade do que foi pedido, mas acabaria cedendo ao ouvir uma ameaça de que a seleção brasileira desfalcaria a Copa do Mundo caso não houvesse transmissão para o país. O acordo saiu por US$ 715 mil.

Segundo a Folha de S.Paulo do dia 31 de maio de 1970, data de abertura da Copa do Mundo, ainda havia os custos com a Embratel para a transmissão. O jornal explicava que o sinal seria emitido por uma grande torre de televisão na Cidade do México para o satélite Intelsat III F-6, que ficava posicionado mais ou menos na altura da ilha de Fernando de Noronha. De lá, a imagem era enviada para as antenas do Rio e de São Paulo. Cada uma delas tinha mais uma missão de reproduzir esse sinal.

A antena de Itaboraí (RJ) era responsável por espalhar a transmissão para os estados do Nordeste e do “Centro”, uma provável referência da reportagem da Folha na época ao que era conhecido assim em divisões regionais anteriores à atual, definida em 1969, o que poderia incluir Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo.

Já a antena localizada no Edifício Itália, em São Paulo (SP), tinha a missão de enviar o sinal para o Sul do Brasil (e até 1969 o próprio estado de SP era considerado como parte da região Sul) e para Mato Grosso (ainda não existia o Mato Grosso do Sul).

A Folha indicava na época que parte do Mato Grosso, os estados do Amazonas e Pará, além dos então “territórios” do Acre, Amapá, Rondônia e “Rio Branco” (também um nome antigo sendo usado pela reportagem, já que o Território Federal do Rio Branco se chamava “Território Federal de Roraima” desde 1962), não receberiam a transmissão da Copa do Mundo de 1970 porque “as linhas da Embratel para lá, por enquanto, são apenas para telefones”.

Quanto custava transmitir a Copa do Mundo de 1970?

Havia uma tabela de custos das partidas. A estação geradora do México cobrava, segundo a Folha da época, uma taxa de US$ 2.080 pelos primeiros dez minutos da transmissão. Em seguida, cada minuto sairia por US$ 52. Tinha ainda o gasto com a Embratel, que cobrava suas taxas em cruzeiro, moeda nacional da época.

Fato é que a soma da quantia paga a Azcárraga pelos direitos de transmissão e mais os custos da transmissão fizeram com que a conta total da exibição do Mundial ficasse em US$ 1.050.000. Na conversão para cruzeiros, esse valor ficava em Cr$ 4.840.000, de acordo com a reportagem da Folha.

O Blog do Allan Simon aciona a série “Quanto Custava?” para nos ajudar a entender o tamanho do custo que Globo, Tupi (Emissoras Associadas), Band e Record (Rede de Emissoras Independentes) tiveram para exibir o tricampeonato mundial para o Brasil.

Usando o indicador IGP-DI  da FGV (Fundação Getúlio Vargas), já existente à época e usado por este blog para atualizar valores contratuais em épocas anteriores à criação do IGP-M, os Cr$ 4,84 milhões de 1970 seriam equivalentes a R$ 32.849.124,67 de hoje. 

Mas não há a menor comparação possível com os valores pagos atualmente pelo Grupo Globo nas transmissões de uma Copa. Para começar, em 1970 o mercado de direitos de transmissão ainda engatinhava, não havia o modelo de exclusividade (a TV Tupi até tentou, mas prevaleceu um acordo à época entre as emissoras para evitar que jogos da seleção fossem exclusivos de um canal), e sequer havia a exibição de todos os jogos da competição. Eram apenas os do Brasil e alguns outros poucos e selecionados.

Como era o pool de emissoras?

Com todas as dificuldades e custos da época, não dava para ter mais de um sinal fazendo toda essa viagem entre torres e satélites. Então a geração com imagem e áudio do México para o Brasil tinha que ser uma só para todas as emissoras. Assim, elas chegaram a um acordo para revezar seus profissionais no microfone.

A estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 contra a Tchecoslováquia, por exemplo, tinha como tabela feita antecipadamente a escala da equipe da REI (incluía Record e Band) para transmitir o primeiro tempo, da Globo com o segundo, e as Emissoras Associadas (incluía a Tupi) no intervalo.

Quem eram os narradores?

Cada integrante do pool mandou sua equipe para os revezamentos. As Emissoras Associadas tinham Walter Abrahão, Geraldo Bretas e Oduvaldo Cozzi como narradores. A REI tinha, entre outros, Fernando Solera. E a Globo levava Geraldo José de Almeida, com comentários de João Saldanha, que tinha chegado a ser técnico da seleção antes de Zagallo, mas foi sacado em meio a desavenças com a ditadura militar.

E os jogos que não eram exibidos ao vivo?

Parte do custo também incluía as gravações em VT de 21 jogos da Copa do Mundo. Eram exibidos no fim de noite pelas emissoras.

Transmissão a cores no Brasil?

A primeira transmissão oficial em cores da televisão brasileira foi realizada apenas em 1972, na Festa da Uva de Caxias do Sul (RS) pela TV Difusora de Porto Alegre. Mas o sinal que vinha do México em 1970 era em cores, como são os VTs que assistimos hoje em dia daqueles jogos.

O problema é que não havia base instalada de televisores a cores no Brasil, tampouco estrutura das emissoras para a transmissão desses sinais. Assim, a Copa do Mundo de 1970 até foi vista com imagem coloridas em território brasileiro, mas somente onde a Embratel organizou algumas transmissões públicas e alguns privilegiados puderam ver assim.

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