Análise: Paulistão fez história nas transmissões, mas tem pontos a melhorar

Análise: Paulistão fez história nas transmissões, mas tem pontos a melhorar

4 de abril de 2022 0 Por Allan Simon

O Paulistão 2022 foi um dos campeonatos mais importantes da história para quem cobre mídia esportiva. Foi a estreia em São Paulo de um modelo de transmissões baseado na divisão dos direitos em pacotes de jogos exclusivos, o que já era visto na Libertadores e na Copa do Nordeste há alguns anos.

Após quase 20 anos de domínio total da Globo, o Campeonato Paulista teve seus direitos repartidos entre Record (16 jogos), YouTube (inicialmente 16, mas transmitiu um “extra”), WarnerMedia (28 jogos, dos quais 13 exclusivos), Paulistão Play e Premiere (todos os jogos em PPV, menos os 13 exclusivos da Warner). O modelo, muito mais moderno e democrático, foi aplicado pela LiveMode, empresa que assumiu a venda do Paulistão 2022.

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É inegável que foi histórico ver 17 jogos transmitidos de graça no YouTube no Paulistão 2022. Não foi inédito. A UEFA Champions League e a Libertadores, com o Facebook, e a própria Copa do Nordeste com YouTube, primeiro, e TikTok, depois, já tinham feito isso. Mas o Paulistão foi além: o pacote do YT não tirou jogos da TV, como Champions e Libertadores fizeram, nem repetiu os jogos da TV aberta, como a Copa do Nordeste e o Cariocão 2022.

Em 2021, a Globo estava em seu último ano de contrato exclusivo para todas as mídias no Paulistão. E resolveu transmitir apenas oito partidas em TV aberta. Uma das semifinais ficou exclusiva no Premiere, um pay-per-view. Em 2022, uma semi foi gratuita no YouTube e a outra na Record.

A Record, nova detentora dos direitos de TV aberta, exibiu todos os 16 jogos aos quais tinha direito. Apenas dois eram os mesmos do YouTube, as duas finais. No total, o público teve acesso a 31 jogos gratuitos no Paulistão 2022. É um fato histórico, pois remonta aos anos 1990, quando a televisão aberta era muito mais forte na questão dos direitos.

Streaming x TV paga

A televisão por assinatura, porém, acabou ficando fora. Os 28 jogos comprados pela WarnerMedia, sendo 13 totalmente exclusivos, tão exclusivos que nem o PPV tinha direito de exibir, ficaram apenas no streaming por meio de duas plataformas, HBO Max e Estádio TNT Sports. Os assinantes de TV paga ainda ganharam acesso gratuito a esta última, desde que o usuário tivesse o canal TNT em seu pacote (normalmente está em todos os básicos).

Mesmo assim, a exclusividade de jogos em um modelo que afetou o PPV gerou muito barulho. Narrativas que predominaram nas redes sociais indicaram que o Paulistão ficou “mais caro e bagunçado” nas transmissões. A parte do mais caro não procede.

Até porque o Premiere, que tinha todos os jogos até o ano passado, também custava mais. Eram 80 reais por mês, em média, contra R$ 60 agora. Pela internet, por meio do Globoplay, você consegue até uma assinatura anual que deixa cada mês por R$ 49,90. A soma de Premiere e Estádio TNT Sports, ou de um plano mobile da HBO Max, dá praticamente o mesmo que custava o PPV da Globo em 2021.

Público “perdido”

O problema foi mesmo a comunicação disso tudo. Os clubes ainda engatinham nessa questão. Colocam os logotipos das emissoras que vão exibir seus jogos em artes de pré-jogo, escalação, mas não perceberam que essa informação talvez seja a mais valiosa atualmente em tempos de mudanças profundas nos direitos de transmissão.

O Paulistão fez um trabalho mais intenso de divulgação em seus canais oficiais nas redes sociais. Mesmo assim, ainda precisamos contar com o fato de que o público quer cada vez receber essa informação de forma passiva. Nem todos seguem os perfis oficiais da FPF, os clubes são muito mais engajados em plataformas como Twitter e Instagram.

Um ponto que o Paulistão precisa melhorar é sua comunicação com as pessoas mais velhas. Foram elas que mais sofreram com as mudanças radicais nos direitos de transmissão. Não é fácil sair de uma lógica construída ao longo de toda uma vida com canais lineares para jogos que ficam exclusivos no streaming. Zapear entre dois jogos ficou praticamente impossível. Em uma Smart TV, algumas vezes você precisa sair e entrar em aplicativos diferentes se quiser dar uma olhadinha em como está o outro jogo da rodada. Um trabalhão.

Geração de imagens

Outra questão importante que precisa ser revista em 2023 é a seleção de imagens ao vivo na transmissão oficial. O trabalho operado pela FPF (Federação Paulista de Futebol) e LiveMode gerou o sinal que era exibido em todos os detentores de direitos no mundo inteiro.

Ideias excelentes foram colocadas em prática, como câmeras de última geração, robôs percorrendo as laterais e capturando imagens durante as finais, microcâmeras dentro dos gols, drones que fizeram tomadas lindíssimas do alto dos estádios, mosaico que destacava replays sem que o torcedor tirasse o olho do que estava rolando ao vivo.

Mas houve alguns problemas. No jogo de ida da final, por exemplo, o lance do pênalti polêmico marcado para o São Paulo no fim da etapa inicial não apareceu ao vivo. Uma série de replays da falta que originou o lance era exibida pela geração de imagens enquanto ela era cobrada. Quando o “vivo” voltou, já apareciam os jogadores do Tricolor pedindo o penal. Curiosamente, o mosaico que era uma bela ideia teria evitado isso se fosse usado naquele momento.

Uso um outro exemplo da Copa do Nordeste, que também é operada pela LiveMode, para reforçar o que digo. Na finalíssima entre Fortaleza e Sport, neste domingo (3), a transmissão oficial perdeu a cobrança de um pênalti ao vivo por mostrar o técnico Juan Pablo Vojvoda. O mosaico também teria evitado essa falha. Na possível ânsia de fazer uma transmissão diferente e cheia de detalhes, o básico acaba sendo deixado de lado. É nessas horas que o lema “menos é mais” deve ser aplicado.

Fora isso, questões pontuais, como erros na geração de caracteres (gráficos que aparecem na tela), devem ser observados com cuidado. Dudu, do Palmeiras, apareceu como candidato a melhor em campo de um jogo entre Ituano e Corinthians. Erro grande.

“Volta, monopólio”

Mas também se criou nas redes sociais uma narrativa de que “isso não acontecia na Globo”, o que não é verdade. Na Copinha deste mesmo ano de 2022, só para ficar em um exemplo, o Sportv colocou escudos de Flamengo e Red Bull Bragantino para uma disputa de pênaltis entre Botafogo e Taubaté. Isso é recorrente em vários canais e demanda muita atenção. Todos precisam melhorar isso.

Se tivesse sido em algum jogo do Paulistão ou do Cariocão o lance histórico no qual nem Globo e nem Sportv perceberam que um gol do Vasco havia sido anulado contra o Cruzeiro na Série B do Brasileirão 2021, veríamos um “linchamento virtual” gigantesco.

Outro ponto que eu não concordo, e deixei isso claro ao longo de todo o campeonato, é com a cobrança de “padrão Globo” nas transmissões que acabaram de sair da emissora. Vale lembrar que o Grupo Globo deteve na prática o poder quase total sobre o futebol brasileiro nas últimas duas décadas, o que gera um abismo de experiência e know-how para as concorrentes.

Aliás, nem Record, nem SBT, transmitem campeonatos com imagens próprias. Nem sei se conseguiriam, precisariam terceirizar de qualquer forma. A Casablanca Online foi a produtora responsável pelas imagens do Paulistão. Era engraçado ver como muitos se surpreendiam quando dizíamos que a mesma empresa trabalhou na geração da Supercopa e da Copa do Brasil, contratada justamente pela Globo.

YouTube foi surpresa gratíssima

As melhores transmissões do Paulistão, para mim, foi feitas pela WarnerMedia e pelo YouTube. Mas o padrão do que vimos na HBO Max/Estádio TNT Sports já era bem conhecido. Quem já viveu a Champions League, o Brasileirão, a Copa do Nordeste e tudo mais que o antigo Esporte Interativo transmitia já sabia exatamente o que esperar.

Mas o YouTube era uma incógnita. Já foi surpreendente ver a plataforma de vídeos do Google sendo a primeira a comprar um pacote de direitos, antes mesmo de a FPF/LiveMode concluir a negociação de TV aberta com a Record. Não havia muito o que esperar.

A operação das transmissões do YouTube também ficou a cargo da LiveMode, assim como no Paulistão Play e a própria geração do campeonato. A NWB, empresa que detém canais gigantes, como o Desimpedidos, também entrou no circuito.

O narrador escolhido foi Chico, o “Chicungunha” do Desimpedidos, que já havia feito um bom trabalho com as locuções de alguns jogos do Brasileirão Feminino em 2021, além de participações na Copa Desimpedidos, Flórida Cup e jogos das seleções de base. Mandou muito bem, cresceu bastante e ganhou experiência a cada transmissão. Termina o Paulistão como um narrador melhor do que era quando começou.

Outra grande sacada do YouTube foi levar de volta ao esporte o apresentador Tiago Leifert. Fora da Globo desde o fim do ano passado, ele chegou para comentar um Botafogo x Corinthians na plataforma, mas aos poucos passou a comandar as transmissões. Depois da revolução promovida por ele no Globo Esporte ainda em 2009, mudando a linguagem do telejornal esportivo (e tirando justamente esse rótulo mais sério e quadrado do programa), credenciais não faltavam para outro projeto inovador.

A equipe de reportagens também foi muito bem montada. Nomes experientes, como Alexandre Oliveira, ex-Globo, e Jackson Pinheiro (que foi um grande destaque desse projeto com suas inserções nas arquibancadas, mostrando o torcedor de perto), ex-Fox Sports, se juntaram a novidades que já vinham aparecendo aos poucos no rádio e na televisão, como Bianca Molina. Nas últimas semanas, vale lembrar, o YouTube passou a exibir 100% dos jogos da fase final da Série A2, o que ampliou o desafio das transmissões.

Nomes do Desimpedidos, como Fred e Alessandra Xavier, trouxeram toda a experiência que um canal esportivo de YouTube com mais de 9 milhões de inscritos poderia acrescentar.

Marcas históricas foram alcançadas, como passar de 2 milhões de espectadores simultâneos na finalíssima com concorrência de uma TV aberta como a Record. O maior pico do YT foi em um Palmeiras x Corinthians na primeira fase, quando a plataforma alcançou 2,7 milhões ao mesmo tempo.

Mas não só números explicam o que foi a experiência de ver o Paulistão no YouTube. Pré-jogo com mais de uma hora, relembrando coisas que a TV só faziam em finais, foi algo comum desde a primeira transmissão. Uma imersão raríssima. Os pós-jogos também eram nesse tom. Enquetes em tempo real ficaram um pouco excessivas, beirando ao incômodo, mas não atrapalharam o contexto geral de exibições gratuitas de jogos que antes estariam no PPV.

Record tem que melhorar

A Record teve dois grandes acertos na transmissão do Paulistão 2022: a contratação do narrador Marco de Vargas e a marcação dos jogos para quartas e domingos, aproveitando que a TV aberta tem uma cultura de 20 anos com esses dias. E TV é costume.

Mas houve alguns erros muito importantes. A presença do ex-jogador Müller como comentarista foi um deles. Já não tinham sido boas as experiências dele no Sportv/Premiere, nem na Band. A transmissão da Record acabou sendo alvo incontáveis vezes de críticas nas redes sociais por causa de comentários como pedir para o técnico Abel Ferreira tirar Raphael Veiga de um jogo no qual ele não estava nem no banco de reservas do Palmeiras.

Uma boa ideia, que foi trazer Márcio Canuto para fazer interações com a torcida durante os jogos, acabou sendo prejudicada pelo pouco tempo que uma TV aberta pode ceder ao futebol. Canuto provavelmente teria sido muito mais aproveitado no YouTube com seus abres e pós-jogos de horas de duração.

Nas quartas de final, na transmissão de Palmeiras x Ituano, a Record iniciou a jornada faltando dois minutos para o apito inicial, repetindo uma prática pela qual a Globo apanhou muito ao longo dos anos. Não se pode bater na maior emissora do país, como o canal de Edir Macedo fez na década passada, e repetir as mesmas coisas quando se tem os direitos de transmissão no lugar dela.

O jogo de ida da final às 21h40 foi um desses momentos. Até a Globo recentemente exibe as partidas às 21h30 em outros campeonatos (embora a final de 2021, na ida, tenha sido às 22h de uma quinta), como Copa do Brasil e Brasileirão.

A audiência foi interessante. A finalíssima rendeu 27 pontos em SP, segundo dados prévios do Ibope publicados pelo TV Pop. Só não deu mais audiência em 2022 com futebol do que a final do Mundial de Clubes na Band, que teve prorrogação e não estava no YouTube, como foi o caso de Palmeiras 4 x 0 São Paulo neste domingo.

No geral, a emissora fez 11 pontos de média. Tem vídeo no nosso canal com esse balanço.

Quando houve tempo para algum pré-jogo, a Record passou o campeonato todo com um cenário virtual que era de doer os olhos. E nem precisa citar qualquer concorrente. O visual das transmissões comandadas por Mylena Ciribelli na mesmíssima Record, só que no Rio de Janeiro, era muito melhor.

Globo reconheceu força dos estaduais

O pacote de PPV comprado pela Globo no Paulistão nem era tão bom, visto que 13 jogos (sendo dois clássicos) estarim fora das transmissões do Premiere. Mas se mostrou necessário para estancar a perda de assinantes pós-Brasileirão. Além do Paulista, também foram comprados o Mineiro e o Gaúcho. O Pernambucano ainda tinha contrato.

Se não teve grandes jogos exclusivos, pois os principais times jogaram sempre na Record, YouTube e HBO Max/Estádio TNT Sports, o Premiere soube se posicionar com um trunfo: era o único canal presente nas TVs por assinatura em jogos que não eram exibidos na TV aberta. Quem não gosta do delay do YT ou dos streamings da WarnerMedia tinha como boa opção ver pelo canal PPV da Globo.

Repaginada na competição foi boa

O Paulistão mudou sua marca, criou uma vinheta oficial de abertura para as transmissões, usando o hino da FPF que foi implantado em 2021, mas agora muito mais popularizado. A estratégia é boa e lembra o que a Conmebol fez com a Libertadores recentemente.

Curioso observar que o viés multiplataforma do novo modelo do Paulistão esteve presente até mesmo nessa vinheta. As telas nas quais apareciam os três últimos campeões levantando as taças eram, na ordem, uma TV, um computador, e um celular.

Conclusão: caminho certo, agora é aperfeiçoar

– Era óbvio que uma mudança tão profunda nos direitos de transmissão geraria reclamações. E que prevaleceria a narrativa de quem tem dinheiro para pagar Premiere ou TV paga em um campeonato que teve a maior oferta gratuita de jogos das últimas duas décadas. Mas isso é do jogo.

– O Paulistão, como eu disse no começo da análise, precisa achar um jeito de se comunicar melhor e ensinar o público mais velho a lidar com as novas transmissões, sob pena de “expulsar” essa fatia da população e perder esse alcance.

– A geração de imagens trouxe inovações incríveis, mas que não podem eclipsar o básico de uma partida de futebol.

– É muito difícil não imaginar que esse modelo de negócios adotado pela FPF e LiveMode no Paulistão será o que teremos futuramente no Brasileirão, caso tenhamos uma liga, com algumas alterações e adaptações ao cenário nacional.

– Não é mais sustentável o modelo que concentra os direitos nas mãos de um player só. Quem levanta a bandeira do “volta, monopólio” provavelmente ficará na história como se fosse um defensor da máquina de escrever atualmente. Nem a Globo mais quer aquele domínio de novo. É caro e ultrapassado.

– O streaming não vai matar a TV aberta. Ela prova a cada dia sua força. Ninguém pode ainda contra seu alcance, sua praticidade, nem a vantagem diante do delay da internet.

– Mas a TV paga perdeu terreno. Hoje nem falamos mais “pacote de TV paga” nas licitações de campeonatos, e sim “plataformas pagas”. Não tem jeito. O streaming recebe muito mais investimentos atualmente, prova disso são os jogos que Disney e WarnerMedia cada vez mais deixam exclusivos no Star+ e HBO Max.

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